Os áudios do VAR, quando divulgados, revelam diálogos que mais parecem uma roda de amigos indecisos sobre qual pizza pedir do que uma equipe altamente treinada tomando decisões em um campeonato bilionário
O futebol brasileiro sempre se orgulhou de ser um dos mais ricos em talento e paixão. Aqui, o esporte é mais do que um jogo; é parte da identidade nacional, um motor econômico bilionário e uma paixão que atravessa gerações. Mas há um problema que insiste em manchar essa grandeza: a arbitragem amadora. Em um campeonato onde bilhões de reais estão em jogo e onde a credibilidade do futebol é essencial para manter torcedores e investidores engajados, como ainda aceitamos que as principais competições nacionais sejam decididas por árbitros que não vivem exclusivamente do futebol? Como é possível que um árbitro de Série A, que no domingo apita um clássico diante de milhares de torcedores e milhões de telespectadores, na segunda-feira volte ao seu outro emprego como engenheiro, professor ou bancário?
Enquanto o mundo profissionaliza, o Brasil fica para trás
Se olharmos para as grandes ligas do mundo, a diferença é gritante. Na Premier League, os árbitros são contratados por um órgão independente, recebem treinamentos contínuos e têm suporte técnico e psicológico para manter o alto nível de desempenho. Na La Liga, na Espanha, os juízes passam por avaliações frequentes e, em caso de erros graves, podem ser afastados. Na Serie A italiana, a transparência no uso do VAR ajuda a manter a credibilidade do jogo.
Aqui no Brasil? O cenário é completamente diferente. O árbitro que toma decisões que podem definir um rebaixamento ou um título não treina diariamente, não estuda lances com frequência e, muitas vezes, precisa equilibrar a arbitragem com outra profissão para pagar as contas. Como esperar excelência quando o próprio sistema não oferece a preparação necessária?
Erros de arbitragem: quando o VAR é apenas um espelho embaçado
Se antes a bronca dos torcedores se resumia a equívocos dentro de campo, agora o problema se multiplicou com o VAR. A tecnologia, que deveria minimizar erros e garantir mais justiça ao jogo, virou um verdadeiro telefone sem fio.
A cada rodada, surgem novos lances polêmicos. O que deveria ser uma ferramenta de precisão se tornou um enigma, onde a interpretação muda de acordo com o árbitro escalado. O VAR, que deveria servir como óculos de grau para a arbitragem enxergar melhor, muitas vezes mais atrapalha do que ajuda — como se estivessem usando lentes trocadas.
Os áudios do VAR, quando divulgados, revelam diálogos que mais parecem uma roda de amigos indecisos sobre qual pizza pedir do que uma equipe altamente treinada tomando decisões em um campeonato bilionário. O resultado? Um torcedor cada vez mais desconfiado e um campeonato que perde credibilidade rodada após rodada.
E o pior: não há punição clara para os erros. Árbitros que cometem falhas seguem apitando como se nada tivesse acontecido. Enquanto em outras ligas há critérios rígidos de avaliação e afastamento, no Brasil o juiz erra num domingo e segue escalado na quarta-feira, como se fosse um goleiro que “tomou um frango”, mas segue titular porque não há outro para colocar no lugar.
Impacto direto nos clubes como empresas
Os clubes não são apenas times de futebol — são empresas com modelos de gestão cada vez mais sofisticados, com orçamentos milionários e responsabilidade perante investidores e torcedores. Mas como gerir um negócio quando o produto — o futebol — se torna refém de um sistema arcaico de arbitragem?
Uma arbitragem ruim pode arruinar toda uma temporada. Um erro grave pode significar a diferença entre jogar uma Libertadores e enfrentar um calendário esvaziado. E isso não é só uma questão esportiva — é dinheiro. Premiações, cotas de TV e contratos de patrocínio podem ser drasticamente impactados por decisões erradas dentro de campo.
As recentes transformações no futebol brasileiro, com a chegada do modelo Sociedade Anônima do Futebol (SAF), mostram que a gestão esportiva deve ser encarada como um negócio sério. Clubes que investem pesado em planejamento, tecnologia e contratações precisam competir em condições justas. Se o sistema de arbitragem não acompanha essa evolução, o desequilíbrio financeiro gerado por erros de arbitragem coloca em risco toda a estabilidade econômica do setor.
O risco para patrocinadores e emissoras de TV
Futebol é um dos principais produtos comerciais do Brasil, movimentando cifras bilionárias em publicidade e direitos de transmissão. Mas qual empresa quer associar sua marca a um campeonato cheio de polêmicas e desconfiança?
A lógica é simples: se o torcedor perde interesse porque não confia na arbitragem, a audiência cai. Se a audiência cai, os patrocinadores reconsideram seus investimentos e os direitos de transmissão desvalorizam. Nenhuma emissora quer pagar milhões por um torneio onde o resultado pode parecer manipulado por incompetência ou falta de critério.
E para as marcas? Investir em um campeonato sem credibilidade é como anunciar em um evento que ninguém leva a sério. No longo prazo, as grandes empresas podem começar a redirecionar seus investimentos para outras competições ou esportes mais bem estruturados. O torcedor não é apenas apaixonado pelo clube — ele é um consumidor do produto futebol. Paga caro para assistir aos jogos, seja no estádio, seja na TV. Compra camisas, assina serviços de streaming, movimenta a economia do esporte.
Mas até quando esse consumidor vai continuar pagando por um produto que constantemente decepciona? Um torcedor que gasta centenas de reais para ir a um estádio quer, no mínimo, um jogo justo e bem conduzido. Quando a arbitragem falha de forma recorrente, a paciência acaba. E quando o consumidor deixa de comprar, o mercado sente o impacto.
A urgência da CBF: profissionalizar a arbitragem ou perder credibilidade
A arbitragem brasileira precisa mudar, e isso passa, necessariamente, pela profissionalização dos árbitros. Não dá mais para tratar a função como um “bico”. Os juízes devem atuar em tempo integral, com salário fixo, treinamentos frequentes e avaliações rigorosas, com afastamento em caso de erros graves. Além disso, precisam de capacitação contínua, seguindo o padrão das principais ligas europeias, e de um órgão independente que supervise seu desempenho, sem influência da CBF.
A tecnologia também precisa evoluir. O VAR deve ter critérios claros, ser operado por profissionais capacitados e ter seus áudios divulgados com transparência. O tempo de decisão precisa ser reduzido para que o jogo não fique refém de revisões intermináveis, desgastando ainda mais a confiança do torcedor.
Chega de amadorismo!
A arbitragem não pode ser um entrave para o crescimento do futebol brasileiro. Se clubes, patrocinadores, emissoras e torcedores sofrem com a falta de profissionalismo, é porque o problema já passou do limite. O Brasil é o país do futebol, mas, sem mudanças, corremos o risco de nos tornar o país da desconfiança no futebol — e ninguém quer pagar para assistir a um espetáculo onde a credibilidade está em jogo. O futebol brasileiro tem a chance de evoluir, mas a arbitragem precisa acompanhar essa transformação. Ou nos profissionalizamos de vez, ou veremos nosso futebol perder valor, respeito e, pior, a paixão de quem sempre fez esse esporte ser grandioso: o torcedor.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
Fonte: Jovem Pan