Não era magia, era engenharia: como os moais “andavam”
Mover uma estátua de pedra de várias toneladas em pé, balançando de um lado para o outro, com um grupo puxando cordas nas laterais soa improvável? Pois foi assim que os Rapa Nui, povo da Ilha de Páscoa, transportaram seus famosos moais até as plataformas cerimoniais, segundo um estudo recém-publicado no Journal of Archaeological Science. A pesquisa analisou 962 estátuas, reconstruiu detalhes com modelagem 3D e ainda levou um protótipo de 4,35 toneladas para a estrada: com 18 pessoas e 40 minutos, o moai “caminhou” 100 metros em zigue-zague. A física bateu palma.
O desenho que já entregava o truque
Os pesquisadores, liderados por Carl P. Lipo (Universidade Estadual de Nova York/Binghamton), olharam para os moais “de estrada”, aqueles ainda no caminho entre a pedreira e as plataformas e notaram um padrão: bases largas em formato de D e uma inclinação para frente. Resultado? O corpo da estátua tende a “querer” cair adiante, e o formato da base favorece o balanço controlado para os lados. Com puxões alternados de cordas, o moai dá pequenos “passos”, mantendo-se de pé e poupando energia. A inclinação recomendada? Entre 5 e 15 graus, segundo o diagrama do estudo.
Ruas feitas para andar (de pedra)
Outro detalhe que fecha a conta: as estradas antigas da ilha não eram só “caminhos sagrados”, mas pistas de trabalho. Há indícios de que foram preparadas justamente para essa técnica de transporte, com trechos côncavos e curadoria de terreno para o vaivém das cordas. A nova leitura reforça a engenharia Rapa Nui, nada de OVNIs ou soluções impossíveis: era ciência prática com o que se tinha à mão.
Do laboratório para o chão da ilha
Para tirar a hipótese do papel, a equipe construiu um moai baseado nas medidas dos “de estrada” e repetiu a cena: três grupos, cordas amarradas nas laterais e atrás, comunicando “direita-esquerda” como quem empurra uma geladeira gigante que sabe dançar. Dezoito pessoas, 4,35 toneladas, 100 metros, 40 minutos. De perto, parece um moonwalk de pedra: inclina, puxa, apoia, repete. E funciona.
“Mas eu já ouvi isso antes…”
Você não está errado. Em 2012, Lipo e colaboradores já haviam feito uma demonstração de “caminhada” com réplica e cordas, reacendendo a hipótese do transporte em pé. A diferença agora é o conjunto de evidências: amostra massiva de estátuas, morfologia compatível, modelagem 3D e testes de campo convergindo para o mesmo mecanismo. Ou seja, não é só “dá para andar”; é “faz sentido que tenha sido assim” e que tenha sido planejado pelos Rapa Nui.
O que o estudo desmonta
- Arrastar deitado em troncos: além de precisar de muito mais gente e madeira (recurso escasso), deixaria marcas diferentes e exigiria reerguer a estátua no fim, uma etapa nada trivial com dezenas de toneladas. As evidências de estrada e a forma da base pesam a favor do transporte vertical.
- Explicações “místicas”: o novo pacote de dados aponta para engenharia social e física, não para milagres. E isso, convenhamos, torna a façanha ainda mais impressionante.
Quantos moais, afinal?
A contagem mais citada hoje fala em cerca de 900 a 1.000 estátuas na ilha, com um catálogo acadêmico que lista 962 moais e dezenas de atributos por peça, localização, dimensões, estado, etc. Foi esse acervo que permitiu aos autores cruzar forma, inclinação e padrões de quebra para sustentar a hipótese de “caminhada” ao longo das rotas.
A história com crédito para quem fez o impossível parecer simples. O estudo não só resolve um quebra-cabeça técnico; ele homenageia a inteligência dos Rapa Nui, que criaram um método eficiente, replicável e adequado aos seus recursos. E, de quebra, limpa a poeira de teorias que tiravam dos nativos o papel de protagonistas dessa engenharia. Como disse Lipo, é uma resposta construída com dados, não com achismos.
Ciência, cultura e respeito
Ao mostrar que as estátuas “andavam”, a pesquisa dialoga com tradições orais da ilha que já descreviam moais se movendo em pé. Agora, com simulações e experimento, essa memória ganha musculatura científica e vira case de como arqueologia e física se encontram para escutar um povo.
Esse conteúdo Moais da ilha de páscoa “andavam” com corda foi criado pelo site Fatos Desconhecidos.